Motores do crescimento estadual pelo lado da demanda

Dados recém-divulgados do IBGE permitem avaliar pela primeira vez quais são os principais motores do crescimento regional pelo lado da demanda final de cada uma das 27 unidades da federação (UFs) do Brasil.

A demanda final refere-se ao valor dos bens e serviços comprados pelo usuário final ou consumidor (famílias, governo, empresas).

Neste post vamos mostrar a composição da demanda final estadual, um dado até então inédito recém-divulgado pelo IBGE para o ano de 2018. Como a composição da demanda final não se altera facilmente no curto prazo, podemos interpretar tal composição como estrutural.

Os drivers (motores) do crescimento regional pelo lada da demanda final são:

  • Exportações para o exterior (Exportações para países)
  • Vendas para outro estado (Exportações para UFs)
  • Consumo das Famílias
  • Consumo do Governo
  • Investimento (Formação Bruta de Capita Fixo)

Além dos drivers tradicionais, a principal vantagem dos novos dados é a desagregação das exportações estaduais, tanto para o exterior (países) quanto para outros estados (mercado interno).

O Gráfico G1. exibe os motores do crescimento regional. Quanto maior a parcela de cada motor, mais a dinâmica estadual – em termos de crescimento do PIB – depende dele. Mais da metade da dinâmica da economia do estado de Mato Grosso depende das exportações destinadas para outros estados e países, sobretudo de produtos agrícolas. Engana-se quem pensa que Mato Grosso exporta apenas para a China. Metade das exportações do estado tem destino o exterior e a outra metade o mercado interno brasileiro. Mato grosso é um típico exemplo de crescimento impulsionado pela demanda externa (exportações).

Abre parênteses: Entre 1985 e 2020, o PIB per capita de MT cresceu 3,51% ao ano, a maior taxa de crescimento estadual e bem acima dos demais estados (ver taxas de crescimento anual no Gráfico G.8 do post). Hoje o PIB per capita mato-grossense é maior que o paulista (Gráfico G.9)! Falaremos dos Gráficos G.8 e G.9 em outro post. Aconselho o leitor não associar os drivers do crescimento regional de curto prazo – assunto do post – com as taxas de crescimento de longuíssimo prazo dos Gráficos G.8 e G.9, as quais dependem de muitos outros fatores como produtividade, inovação, comércio internacional, entre outros fatores do lado da oferta e opções políticas. Fecha parênteses.

Além de MT, os estados do AM, ES e MS também têm a dinâmica estadual dependente sobremaneira das exportações. Mais de 95% das exportações do Amazonas são destinadas para outros estados e uma fatia minúscula para o exterior. No AM localiza-se a nossa maquila introvertida (que ao contrário de uma maquila tradicional não exporta para o exterior) ou maquila de importação devido a Zona Franca de Manaus, região que tem muitos incentivos para importar insumos intermediários e fazem um “processo de aparafusamento” com pouca transformação industrial – tal processo é conhecido como Processo Produtivo Básico.

Os Gráficos G.2 a G.7, logo a seguir, exibem os rankings para cada um dos motores principais do crescimento regional.

Em linhas gerais, quanto maior o peso do Consumo das Famílias e do Governo, menos dinâmico tende a ser os drivers do crescimento regional, os quais dependem essencialmente do aumento populacional, do aumento real do salário-mínimo, da carga tributária e de transferências governamentais como Programa Bolsa Família.

E quanto maior o peso das Exportações e Investimento (FBCF), mais dinâmica tende a ser a economia regional. Na economia mundial a China é o caso mais emblemático de altíssimo crescimento devido principalmente a sua gigantesca taxa de investimento e a competitividade no comércio internacional. No entanto, a China é um ponto fora da curva. Nenhuma UF se compara a China, pois os investimentos (FBCF) tem um peso baixo na demanda final em todas elas (ver Gráfico G.7). Isso ajuda a explicar a baixa taxa de crescimento per capita da imensa maioria dos estados brasileiros, assunto já abordado no post anterior.

Não iremos analisar todos os estados. Deixo para o leitor interessado interpretar os Gráficos. No decorrer do ano falaremos mais de cada um dos estados e regiões brasileiras. Antes de finalizar, seguem algumas observações bem pontuais:

  • O consumo das famílias é um driver importante para a maioria dos estados, como o esperado.
  • DF: tem dinâmica econômica muito dependente do consumo do governo. DF é pouco populoso e hospeda a burocracia estatal do país.
  • Mais de um quarto da demanda final de UFs pequenas e mais pobres (RR, AP, AC) dependem do consumo do governo. Ver Gráfico G.6 acima.
  • SP é o estado menos dependente do consumo do governo, seguido por ES, SC, PR, MT, GO e RS (Gráfico G.6). Lula perdeu em todos esses estados na última eleição, pois as populações locais votaram no candidato que defendia menos Estado. Coerente com os dados aqui mostrados. Atenção, isso é uma análise simplória e sem causalidade; use-a com o devido cuidado.

O Gráfico G.8 e G.9 merecem posts próprios. Comentários super pontuais:

Gráfico G.8: As populações de SP, RJ, e das demais UFs com crescimento per capita negativo ou muito baixo estão descontentes, muito descontentes. E com razão. São economias estaduais estagnadas. 35 anos, duas gerações, de crescimento baixo ou crescimento negativo. Não é difícil entender a insatisfação da população de tais estados com os políticos que passaram pelo poder. Muitos votaram na extrema direita porque querem mudanças significativas que voltem a trazer prosperidade e o crescimento econômico.

Gráfico G.9: se no futebol SP e RJ se mantém em destaque com as equipes mais fortes do país, na economia, estes estados perderam posição, recentemente foram ultrapassados pelo Mato Grosso em termos de PIB per capita. Em 1985, SP tinha PIB per capita 3,5 vezes maior que MT. Em 2020, o PIB per capita de MT mais que triplicou e ultrapassou o nível de SP e RJ. É a vitória da agricultura e derrota da indústria (desindustrialização brutal, 1 e 2). SP e RJ não podem emular MT e depositar todas suas fichas na agropecuária, pois diferente de MT são estados com populações combinadas 20 vezes maior que MT. SP e RJ precisam urgentemente mudar também por conta dos desdobramentos políticos, caso contrário atos inconstitucionais e golpistas podem se tornar cada vez mais frequentes. Recentemente, renovados pesquisadores internacionais da geografia econômica tem interpretado o crescimento do populismo e de ações contra o sistema como “a geografia do descontentamento”, “a vingança dos locais que não importam”, e “armadilha do desenvolvimento regional” (quando regiões com renda per capita elevada, como SP e RJ, param de crescer e ficam estagnadas por longos períodos).

Nós esperamos que os novos dados apresentados neste post instigue a discussão sobre os motores do crescimento regional e seu esgotamento, criando um ambiente mais favorável para as políticas de desenvolvimento regional que são vitais num país tão desigual, heterogêneo e com muitas regiões presas (armadilhadas) no baixo crescimento por períodos demasiadamente longos.

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