Motores do crescimento estadual pelo lado da demanda

Dados recém-divulgados do IBGE permitem avaliar pela primeira vez quais são os principais motores do crescimento regional pelo lado da demanda final de cada uma das 27 unidades da federação (UFs) do Brasil.

A demanda final refere-se ao valor dos bens e serviços comprados pelo usuário final ou consumidor (famílias, governo, empresas).

Neste post vamos mostrar a composição da demanda final estadual, um dado até então inédito recém-divulgado pelo IBGE para o ano de 2018. Como a composição da demanda final não se altera facilmente no curto prazo, podemos interpretar tal composição como estrutural.

Os drivers (motores) do crescimento regional pelo lada da demanda final são:

  • Exportações para o exterior (Exportações para países)
  • Vendas para outro estado (Exportações para UFs)
  • Consumo das Famílias
  • Consumo do Governo
  • Investimento (Formação Bruta de Capita Fixo)

Além dos drivers tradicionais, a principal vantagem dos novos dados é a desagregação das exportações estaduais, tanto para o exterior (países) quanto para outros estados (mercado interno).

O Gráfico G1. exibe os motores do crescimento regional. Quanto maior a parcela de cada motor, mais a dinâmica estadual – em termos de crescimento do PIB – depende dele. Mais da metade da dinâmica da economia do estado de Mato Grosso depende das exportações destinadas para outros estados e países, sobretudo de produtos agrícolas. Engana-se quem pensa que Mato Grosso exporta apenas para a China. Metade das exportações do estado tem destino o exterior e a outra metade o mercado interno brasileiro. Mato grosso é um típico exemplo de crescimento impulsionado pela demanda externa (exportações).

Abre parênteses: Entre 1985 e 2020, o PIB per capita de MT cresceu 3,51% ao ano, a maior taxa de crescimento estadual e bem acima dos demais estados (ver taxas de crescimento anual no Gráfico G.8 do post). Hoje o PIB per capita mato-grossense é maior que o paulista (Gráfico G.9)! Falaremos dos Gráficos G.8 e G.9 em outro post. Aconselho o leitor não associar os drivers do crescimento regional de curto prazo – assunto do post – com as taxas de crescimento de longuíssimo prazo dos Gráficos G.8 e G.9, as quais dependem de muitos outros fatores como produtividade, inovação, comércio internacional, entre outros fatores do lado da oferta e opções políticas. Fecha parênteses.

Além de MT, os estados do AM, ES e MS também têm a dinâmica estadual dependente sobremaneira das exportações. Mais de 95% das exportações do Amazonas são destinadas para outros estados e uma fatia minúscula para o exterior. No AM localiza-se a nossa maquila introvertida (que ao contrário de uma maquila tradicional não exporta para o exterior) ou maquila de importação devido a Zona Franca de Manaus, região que tem muitos incentivos para importar insumos intermediários e fazem um “processo de aparafusamento” com pouca transformação industrial – tal processo é conhecido como Processo Produtivo Básico.

Os Gráficos G.2 a G.7, logo a seguir, exibem os rankings para cada um dos motores principais do crescimento regional.

Em linhas gerais, quanto maior o peso do Consumo das Famílias e do Governo, menos dinâmico tende a ser os drivers do crescimento regional, os quais dependem essencialmente do aumento populacional, do aumento real do salário-mínimo, da carga tributária e de transferências governamentais como Programa Bolsa Família.

E quanto maior o peso das Exportações e Investimento (FBCF), mais dinâmica tende a ser a economia regional. Na economia mundial a China é o caso mais emblemático de altíssimo crescimento devido principalmente a sua gigantesca taxa de investimento e a competitividade no comércio internacional. No entanto, a China é um ponto fora da curva. Nenhuma UF se compara a China, pois os investimentos (FBCF) tem um peso baixo na demanda final em todas elas (ver Gráfico G.7). Isso ajuda a explicar a baixa taxa de crescimento per capita da imensa maioria dos estados brasileiros, assunto já abordado no post anterior.

Não iremos analisar todos os estados. Deixo para o leitor interessado interpretar os Gráficos. No decorrer do ano falaremos mais de cada um dos estados e regiões brasileiras. Antes de finalizar, seguem algumas observações bem pontuais:

  • O consumo das famílias é um driver importante para a maioria dos estados, como o esperado.
  • DF: tem dinâmica econômica muito dependente do consumo do governo. DF é pouco populoso e hospeda a burocracia estatal do país.
  • Mais de um quarto da demanda final de UFs pequenas e mais pobres (RR, AP, AC) dependem do consumo do governo. Ver Gráfico G.6 acima.
  • SP é o estado menos dependente do consumo do governo, seguido por ES, SC, PR, MT, GO e RS (Gráfico G.6). Lula perdeu em todos esses estados na última eleição, pois as populações locais votaram no candidato que defendia menos Estado. Coerente com os dados aqui mostrados. Atenção, isso é uma análise simplória e sem causalidade; use-a com o devido cuidado.

O Gráfico G.8 e G.9 merecem posts próprios. Comentários super pontuais:

Gráfico G.8: As populações de SP, RJ, e das demais UFs com crescimento per capita negativo ou muito baixo estão descontentes, muito descontentes. E com razão. São economias estaduais estagnadas. 35 anos, duas gerações, de crescimento baixo ou crescimento negativo. Não é difícil entender a insatisfação da população de tais estados com os políticos que passaram pelo poder. Muitos votaram na extrema direita porque querem mudanças significativas que voltem a trazer prosperidade e o crescimento econômico.

Gráfico G.9: se no futebol SP e RJ se mantém em destaque com as equipes mais fortes do país, na economia, estes estados perderam posição, recentemente foram ultrapassados pelo Mato Grosso em termos de PIB per capita. Em 1985, SP tinha PIB per capita 3,5 vezes maior que MT. Em 2020, o PIB per capita de MT mais que triplicou e ultrapassou o nível de SP e RJ. É a vitória da agricultura e derrota da indústria (desindustrialização brutal, 1 e 2). SP e RJ não podem emular MT e depositar todas suas fichas na agropecuária, pois diferente de MT são estados com populações combinadas 20 vezes maior que MT. SP e RJ precisam urgentemente mudar também por conta dos desdobramentos políticos, caso contrário atos inconstitucionais e golpistas podem se tornar cada vez mais frequentes. Recentemente, renovados pesquisadores internacionais da geografia econômica tem interpretado o crescimento do populismo e de ações contra o sistema como “a geografia do descontentamento”, “a vingança dos locais que não importam”, e “armadilha do desenvolvimento regional” (quando regiões com renda per capita elevada, como SP e RJ, param de crescer e ficam estagnadas por longos períodos).

Nós esperamos que os novos dados apresentados neste post instigue a discussão sobre os motores do crescimento regional e seu esgotamento, criando um ambiente mais favorável para as políticas de desenvolvimento regional que são vitais num país tão desigual, heterogêneo e com muitas regiões presas (armadilhadas) no baixo crescimento por períodos demasiadamente longos.

Novo dado mostra que taxa de investimento é baixa em todos os estados

Gráfico 1

Pela primeira vez o IBGE divulgou a formação bruta de capital fixo (FBCF) dos estados brasileiros, permitindo assim calcular um dos indicadores mais importantes do país: a taxa de investimento (FBCF dividido pelo PIB).

Os mais recentes dados do IBGE confirmam que a taxa de investimento é baixa em todas as 27 unidades da federação do país, variando entre 9,9% (taxa mais baixa) e 17,1% (taxa mais alta).

Como esse dado não existia não era possível saber se dentro do país algum estado alcançou taxa de investimento chinesa (superior a 40%), coreana (superior a 30%) ou próxima da economia mundial (em torno de 25%). Agora com os novos dados sabemos que nem os agrícolas dinâmicos (MT, GO, MS), ou exportadores de minérios ou petróleo (RJ, MG, PA, ES) possuem taxa de investimento superior à economia mundial. Todos os atuais drivers do crescimento estadual – seja ele focado no mercado interno ou externo, ou baseado na indústria, (ou serviços, ou commodities) ou zonas de processamento industrial (AM) – ainda não são capazes de dinamizar a investimento estadual.

Algum economista mainstream poderia esperar que os estados com maior escolaridade (Sul-Sudeste) tivessem maior taxa de investimento que os estados com menor escolaridade (Norte-Nordeste). O Gráfico 1 não é claro quanto a isso.

Os economistas da vantagem comparativa revelada poderiam esperar que os estados agrícolas voltados à exportação de soja e outros produtos agrícolas também tivessem elevada taxa de investimento pois são atrelados à robusta demanda chinesa. O Gráfico 1 também não sustenta tal expectativa.

Os economistas desenvolvimentistas poderiam argumentar que são os estados industriais aqueles que tem a maior taxa de investimento, pois a indústria é um setor intensivo em capital. Eles iriam lembrar da China e Coreia do Sul que deveriam ser nosso espelho, países com altas taxas de investimento e dinamismo industrial. Pois é, SP, MG, PR, RS, SC e RJ, estados com as maiores manufaturas, tem taxas de investimentos tão baixas quanto os estados da agropop.

A “doença do baixo investimento” contamina todos os estados e regiões do Brasil. Isso merece muito mais atenção e estudos agora que sabemos qual é a taxa de investimento estadual. Afinal por que raios a taxa de investimento é incrivelmente baixa em todos as unidades da federação?

Pontos extras

Respostas do Chat GPT:

Qual é o papel dos investimentos produtivos na economia de um país ou região?

Investimentos produtivos, como investimentos em fábricas, máquinas e outras formas de capital, desempenham um papel crucial na economia de um país ou região. Esses investimentos aumentam a capacidade produtiva da economia, permitindo maior produção de bens e serviços. Isso, por sua vez, pode levar ao crescimento econômico e aumentar as oportunidades de emprego. Além disso, investimentos produtivos também podem levar a aumentos de produtividade, o que pode ajudar a aumentar os salários e os padrões de vida. No geral, os investimentos produtivos são um importante impulsionador do desenvolvimento e crescimento econômico.

Por que uma taxa de investimento mais alta é melhor para a economia?

Uma taxa de investimento mais alta é geralmente considerada benéfica para a economia, pois aumenta a capacidade da economia de produzir bens e serviços. Quando as empresas investem em novas máquinas, equipamentos e outras formas de capital, elas podem produzir mais bens e serviços com a mesma quantidade de mão-de-obra, o que leva ao aumento da produtividade. Esse aumento da produtividade pode levar ao crescimento econômico e aos padrões de vida mais altos. Além disso, um investimento mais alto também pode levar à criação de novos empregos, o que pode ajudar a reduzir o desemprego.

Além disso, uma taxa de investimento mais alta também pode ajudar a melhorar a infraestrutura do país, o que pode torná-lo mais atraente para investimentos estrangeiros, aumentando ainda mais a economia. Além disso, o investimento também pode levar ao desenvolvimento de novas tecnologias e indústrias, o que também pode impulsionar o crescimento e o desenvolvimento econômico.

No geral, uma taxa de investimento mais alta pode levar ao aumento da produtividade, crescimento econômico e padrões de vida aprimorados.

Por que algumas regiões têm baixas taxas de investimento?

Existem várias razões pelas quais algumas regiões podem ter baixas taxas de investimento. Alguns motivos possíveis incluem:

Falta de acesso ao crédito: empresas e indivíduos em algumas regiões podem ter dificuldade em acessar o crédito de bancos e outras instituições financeiras, o que pode dificultar o investimento em novos projetos e empreendimentos.

Instabilidade política: regiões propensas a instabilidade política ou conflito podem ser menos atraentes para os investidores, pois podem perceber um risco maior de perder seus investimentos.

Falta de infraestrutura: Algumas regiões podem não ter a infraestrutura necessária, como estradas, portos e aeroportos, para atrair investimentos.

Estruturas legais e regulatórias fracas: regiões com estruturas legais e regulatórias fracas podem ser menos atraentes para os investidores, pois é mais provável que eles experimentem corrupção, suborno e falta de proteção para seus investimentos.

Baixo crescimento econômico: regiões com baixo crescimento econômico podem ser menos atraentes para os investidores, pois podem não ver tanto potencial para retornos em seus investimentos.

Falta de capital humano: regiões com baixos níveis de educação e habilidade podem ter dificuldade em atrair investimentos em indústrias de alta tecnologia ou conhecimento de conhecimento.

Recursos naturais: as regiões que dependem fortemente da extração de recursos naturais podem experimentar uma “maldição de recursos”, onde a riqueza gerada pelos recursos não é investida em atividades produtivas, mas em atividades especulativas ou não produtivas.

No geral, as baixas taxas de investimento em uma região podem ser causadas por uma combinação de fatores, e abordar esses problemas subjacentes pode ajudar a atrair mais investimentos e apoiar o crescimento e o desenvolvimento econômico.

Onde estão os bons empregos na economia brasileira?

Gráfico 1:

Se você perguntar por aí onde estão os bons empregos as respostas provavelmente serão: no setor industrial, setor público, setor financeiro e setor de tecnologia da informação.

Na verdade, todos os setores produtivos da economia geram empregos bem remunerados, os bons empregos, e empregos mal remunerados simultaneamente. Um laboratório de pesquisas científicas de última geração sobre vacinas precisa de pesquisadores, que recebem salários altos, e de trabalhadores dos serviços de limpeza, que geralmente recebem salários baixos.  Então, ao olhar para os setores, importa o percentual de empregos bons em comparação com o percentual de empregos mal remunerados, e a quantidade de pessoal empregado pelo setor em questão comparativamente aos demais setores. É disso que este post trata, da capacidade de geração de bons empregos pelos setores produtivos na economia. Saber disso é importante para fins de planejamento e orientação das políticas públicas, afinal de contas a geração de bons empregos deveria ser a finalidade de qualquer líder de Estado.

O novo governo tem falado que é necessário reindustrializar o Brasil, pois o setor industrial tende a gerar um grande volume de empregos e pagar salários acima da média da economia. Será que a capacidade de a manufatura de gerar bons empregos em volume expressivo ainda se verifica na economia brasileira após 4 décadas de desindustrialização (e esgarçamento do tecido industrial)?

Devido à fragilidade da economia brasileira nas últimas décadas – como alta taxa de desemprego, informalidade do trabalho e estrutura produtiva pouco sofisticada – é vital localizar os setores que pagam bons empregos para orientar as políticas públicas em sua direção.

Neste post abordaremos de modo sucinto a seguinte questão:

Quais setores geram uma proporção maior e volume significativo de bons empregos e/ou de empregos que remuneram acima da média da economia?

Quais as principais ocupações do país em volume de emprego e salário médio pago?

Para simplificar, empregos bons são aqueles que pagam bons salários e empregos mal remunerados são aqueles que pagam salários inferiores as necessidades básicas com moradia, alimentação, vestuário, saúde e diversão. O DIEESE tem uma pesquisa tradicional e abrangente que informa o salário-mínimo necessário para cobrir tais necessidades básicas. Em dezembro de 2022, o salário necessário para uma família brasileira de 4 pessoas (2 adultos e 2 crianças) era de R$ 6.647,63. Como os dados deste post são de dezembro de 2021, o salário ideal desta data era R$ 5.800,98 que equivalia a 5,27 salários-mínimos de R$ 1.100,00 da época. Então, neste post vamos considerar bons empregos as ocupações formais que pagam um salário suficiente para cobrir as necessidades básicas mensuradas pelo DIEESE, isto é, 5,27 salários-mínimos para uma família de 4 pessoas (2 adultos e 2 crianças), que equivale a 2,64 salários-mínimos por membro familiar adulto. Logo, empregos mal remunerados são ocupações formais que remuneram abaixo de 2,64 salários-mínimos. O adjetivo “mal remunerados” capta o fato que a ocupação não remunera o suficiente para ter um padrão de vida dignamente razoável.

2,64 salários-mínimos (SM) é 12% inferior ao salário médio 2,99 SM de toda a economia brasileira em 2021, de acordo com os registros administrativos da RAIS do Ministério do Trabalho e da Previdência, fonte de informação deste post. A RAIS é a melhor base de dados do país para ocupações formais para todos os setores e segmentos produtivos da economia brasileira.

Alternativamente, em análise complementar, também consideraremos bons empregos aqueles que pagam salários acima da média da economia brasileira, isto é, acima de 3,0 salários-mínimos (SM).

O Gráfico 1 abaixo mostra o percentual de bons empregos de cada um dos setores com ao menos 2% do volume total de empregos formais do Brasil. Para a economia total, de cada 100 empregos gerados, 36,6% deles eram empregos considerados bons. Esse percentual alcança 87,2% no setor de serviços financeiros, 74,0% no setor público (incluindo saúde e educação públicas), 59,7% no setor de tecnologia da informação e comunicação e 55% na educação privada. Atividades profissionais e científicas também empregam percentual superior de bons empregos que a média da economia. A indústria de transformação encontra-se numa situação intermediária, logo abaixo da economia total. Na rabeira do Gráfico 1 estão os setores que geram empregos em sua imensa maioria de baixos salários, como alojamento e alimentação, agropecuária, serviços administrativos, comércio, construção e transportes.

Já o Gráfico 2 exibe o percentual de empregos que cada setor gera que paga salários acima da média da economia brasileira, isto é, que remuneram acima de 3,0 salários-mínimos. O ranking difere pouco do Gráfico 1 em que os setores de serviços lideram o ranking com maior percentual de bons empregos.

Gráfico 2:

Na indústria de transformação, setor alvo das políticas de reindustrialização, apenas 1 de 4 empregos gerados pagam salários acima da média da economia. Historicamente a indústria de transformação remunerou acima da economia do país, mas essa diferença vem diminuindo nas últimas décadas e desde 2016 a tendência se inverteu com a média da economia do país remunerando acima do setor industrial. Em 2021, a indústria pagou salários 5,2% menor que a média da economia brasileira (2,84 SM contra 2,99 SM) conforme exibe o Gráfico 3.

Gráfico 3:

Além do percentual de bons empregos que cada setor gera é importante saber se esse mesmo setor contribui substantivamente para o emprego total da economia. O setor financeiro é o setor com a maior proporção de bons empregos, mas contribui apenas com 2,08% dos empregos da economia total conforme exibe a Tabela 1. Já a administração, saúde e educação pública contribui com 18,45% dos empregos totais da economia, dos quais a maioria são bons empregos. Ou seja, os empregos públicos são bons e em grande quantidade.

Para cada 1 bom emprego no setor financeiro há 7,9 bons empregos no setor público e 2,6 na indústria de transformação.

Tabela 1:

A manufatura é um caso curioso. De um lado, embora ela apresente uma baixa proporção de bons empregos (Gráficos 1), ela contribui com 14,89% dos empregos totais do país (Tabela 1), dessa forma sendo o segundo setor que mais tem bons empregos em volume – atrás apenas da administração, saúde e educação pública. Por outro lado, a manufatura é também o segundo setor em quantidade de empregos mal remunerados, atrás apenas do setor de comércio.

Logo, há muitos empregos bons e mal remunerados na manufatura, mas para cada 1 emprego bom há 2,1 empregos mal remunerados.

A composição setorial do setor manufatureiro contribui para explicar esse caso curioso da manufatura, pois no Brasil dois terços da produção manufatureira advêm de indústrias de baixa e média-baixa tecnologia que geram empregos de salários baixos em comparação com um terço da indústria de alta e média-alta tecnologia que remunera bem (vide 1 e vide 2). Logo, melhorar a composição do setor industrial em direção às indústrias mais complexas é fundamental para gerar bons empregos.

O TreeMap 1 dá uma dimensão geral dos empregos bons e mal remunerados de todos os principais setores da economia brasileira, combinando informações de percentual e quantidade. A partir do TreeMap 1 é possível perceber que a maioria dos empregos do país remunera abaixo das necessidades básicas consideradas ideais conforme deixa claro o vermelho da figura. Os bons empregos, identificados pela cor azul, são mais presentes na administração, saúde e educação pública, manufatura, comércio, educação privada, serviços financeiros, saúde privada, e informação e comunicação. Mas note que é bem contrastante o imenso volume de empregos mal remunerados presentes nos setores de comércio, manufatura, serviços administrativos e complementares, com os bons empregos da administração, saúde e educação pública.

TreeMap 1: Empregos bons e empregos mal remunerados por setor, Brasil, 2021

Empregos bons (mal remunerados) são ocupações formais que pagam acima (abaixo) de 2,64 salários-mínimos. Fonte: RAIS. Elaboração: Paulo Morceiro e Vicente Toledo para o Blog Valor Adicionado.

A partir do TreeMap 1 se tivéssemos que escolher apenas um setor como aquele que gera bons empregos a escolha lógica seria a administração pública, que inclui também saúde e educação pública. E aquele que gera empregos ruins, claramente seria o setor de comércio. O primeiro gera elevado volume e percentual de bons empregos e o segundo, o contrário.

Em síntese, é possível encontrar bons empregos em vários setores da economia.

Mas eles também podem gerar uma proporção e volume de empregos mal remunerados. Então, qual deveria se a estratégia dos formuladores de política? Como guiar a economia na direção dos bons empregos? A resposta é mais simples do que parece: cada setor é composto por diversos segmentos produtivos, sendo que alguns segmentos demandam profissionais para desempenhar tarefas mais complexas que recebem salários melhores, enquanto outros segmentos demandam tarefas mais simples e manuais, pagando salários menores. Por exemplo, vamos olhar para dentro do setor industrial: de um lado, a fabricação de aeronaves paga salários elevados (em média 8,64 salários-mínimos), de outro lado, a confecção de roupas íntimas paga salários baixos (em média 1,54 salário-mínimo). Então, precisamos mapear os segmentos produtivos que remuneram bem dentro da manufatura, setor público, comércio, educação, saúde, setor financeiro, e nos demais setores. A partir daí os formuladores de política terão um retrato mais verdadeiro de quais segmentos geram bons empregos e poderem pensar em fomentá-los a partir disso se for o caso. Não faz sentido reindustrializar o país considerando a manufatura como um setor homogêneo porque ele de fato não é. Dentro da manufatura há fabricação de aviões, produtos farmacêuticos, maquinário e computadores que demandam profissionais para desempenhar ocupações complexas que remuneram bem, mas também há segmentos como alimentos, calçados e vestuário que remuneram mal. Quais segmentos deveriam ser alvo das políticas públicas: frigoríficos ou vacinas? A escolha de qual reindustrialização queremos passa por responder questões como essa, mas também ampliar o leque de opções e entender que há bons empregos em outros lugares além da manufatura. A partir da análise feita neste post foi possível identificar que para cada 1 bom emprego existente na manufatura há 5,75 nos serviços (dos quais metade está na administração, saúde e educação pública).

No intuito de identificar os segmentos produtivos que pagam salários acima da média da economia, nós selecionamos 1327 subclasses da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) que pertencem a todos os setores da economia. No caso da manufatura, verificamos que 185 subclasses remuneram acima da média da economia e 232 subclasses abaixo da média, sendo que as 185 somam 31% e as 232 somam 69% dos empregos manufatureiros. Fizemos essa avaliação para todos os setores, mas como a tabela é enorme (1327 linhas), fizemos o TreeMap 2 para resumir. A manufatura está localizada no lado superior direito da figura, com os retângulos azuis representando as 185 subclasses industriais e os retângulos rosa as 232 subclasses. Azul é bom, rosa é ruim. No setor de comércio (quadrante superior esquerdo), há 53 subclasses que remuneram bem (azul) representando 10% dos empregos totais desse setor, porém 173 subclasses remuneram mal (rosa) representando 90% dos empregos do setor; por isso a cor rosa domina o setor de comércio. A cor azul é dominante no setor público. Visualmente é possível notar que a maioria das subclasses do setor financeiro, informação e comunicação, e eletricidade pagam salários acima da média da economia. Há também nichos relevantes na saúde privada, educação privada, transportes, e nas atividades profissionais e científicas.

TreeMap 2: Empregos por subclasse da CNAE 2.0 (1327 subclasses), Brasil, 2021 (Cor azul: remuneração acima de 3,0 salários-mínimos. Cor rosa: remuneração abaixo de 3,0 salários-mínimos)

Elaboração: Paulo Morceiro e Vicente Toledo para o Blog Valor Adicionado.

Em síntese, o Brasil precisa de uma avaliação criteriosa para identificar os segmentos produtivos que geram bons empregos no país e de uma política pública pragmática para estimular as atividades produtivas de diversos segmentos que geram empregos que remuneram bem. Isso certamente exigirá política industrial moderna para segmentos da manufatura, mas também para segmentos de serviços. Exigirá uma política de transformação e sofisticação estrutural em direção dos segmentos produtivos que geram bons empregos. Mais em direção da aviação e saúde pública, exemplos de êxito da nossa política industrial, e menos em direção a frigoríficos. Precisamos reforçar nossos acertos e aprender com os casos menos bem-sucedidos.

Pontos extras:

A Tabela 2 abaixo mostra a distribuição do emprego de cada setor por faixas salário pago.

O leitor interessado poderá notar que a proporção de empregos que pagam 5 ou 10 salários-mínimos é bem pequena na maioria dos setores.

Outra forma de interpretar a Tabela 2 é que a imensa maioria dos empregados recebem salários baixos e uma pequena minoria salários elevados, justificando e reforçando nossa elevada concentração de renda.

A distribuição do emprego por faixas de salários é bem desigual setorialmente. Compare por exemplo o setor financeiro com o setor de comércio.

Tabela 2:

Fonte: RAIS. Elaboração: Paulo Morceiro e Vicente Toledo para o Blog Valor Adicionado.

A Tabela 3 exibe as top-100 ocupações (de um total de 2.500) em volume de emprego gerado no Brasil, as quais totalizam dois terços dos empregos totais. Note que a imensa maioria das ocupações pagam salários baixos, em conformidade com a baixa sofisticação e complexidade da nossa estrutura produtiva. Entre as 15 primeiras ocupações, que empregaram 31,86% dos empregos totais, apenas duas remunera acima da média da economia.

A Tabela 4 exibe as top-100 ocupações que pagaram os maiores salários. Elas pagaram entre 14 e 61 salários-mínimos, mas todas elas somaram menos de 1% do emprego total do país. Muitas dessas ocupações são relacionadas ao setor público em funções importantes, mas super bem remuneradas considerando a realidade do país. Se é que existe marajás, eles fazem parte deste time que coloca o Brasil entre os líderes em desigualdade no mundo junto com a África do Sul. Lá eles tiveram o Apartheid (regime de segregação racial que vigorou por décadas até 1994). Nem vou tentar explicar o motivo de elevada desigualdade salarial no Brasil. Faz sentido um subprocurador geral da república (líder da Tabela 4) receber 50 vezes mais que várias ocupações da Tabela 3?

Tabela 3:

Tabela 4: